segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Feriado em Sampa

Terminou. Foram três deliciosos dias de feriado prolongado em São Paulo. Sol, cidade vazia, promoções nas locadores e minha horta para cuidar. Entre uma pedalada no Parque do Ibirapuera e um filme bacana no sofá de casa – O Grande Truque, de Chistopher Nolan, com a fabulosa Scarlett Johansson; muito bom, mas não tem nada de comer, então não vou me estender nos comentários – pinta um programa de família. Familiares, aqueles que não perdem o Sílvio Santos aos domingos e me perguntam se “não tem um feijãozinho pra misturar com esse arroz?”, referindo-se ao meu risoto de açafrão.


Eu falo com esse desdém todo, mas não resisto a deliciosas gargalhadas com eles. Todos de uma fé inabalável, católicos daqueles que se benzem ao acordar, antes de dormir, às seis da tarde, ao passar em frente a uma igreja, ao pegar estrada, ao rezar, enfim. E, partidários que são da cultura católica do sacrifício, têm todos a mania de fazer promessas que envolvam privações alimentares. Um ano sem tomar refrigerantes para curar a doença de uma sobrinha, dois meses sem ingerir nada com açúcar para que a operação do avô corra bem.


O sacrifício da vez foi feito por um tio que detesta ir ao médico. Ele sentiu dores fortes na nuca e, para fugir dos enjalecados, prometeu que nunca mais tomaria vinho se a dor sumisse. No dia seguinte acordou miraculosamente curado e com uma vontade doida de tomar um tinto. Há dois anos ele parou de beber vodka para ver se o movimento em sua loja de carros melhorava. Melhorou, afinal. Mas a privação do vinho bateu que nem angústia de ressaca – o repertório alcoólico estava se restringindo. O fiel não teve dúvidas, ajoelhou-se no altar da mãe, minha avó, e explicou que trocaria o vinho por sorvete, para equilibrar o jogo. O santo deve ter compreendido, pois a dor não voltou.

O programa
Sair com essa turma, deve estar pensando o leitor em sua amável ingenuidade, é garantia de diversão. Seria, não fosse um pequeno, tostado e mal cheiroso detalhe: o convite era para um rodízio de carnes. Antes de continuar, peço que se acalmem os vorazes carnívoros, virem seus garfos e facas para lá! Não tenho nada contra vocês, nem contra o consumo de carnes, e até confesso que tenho dado umas escapadelas do meu vegetarianismo já capenga. Meu problema é com todos os estabelecimentos que fazem rodízio de carne. Aqueles pedaços de bois, vacas, porcos, galinhas, sabe lá do que mais, sangrando em espetos verticais e sendo desfilados pelo salão enquanto gordinhos suados acenam impacientemente pedindo lingüiça, coração, costelinha...


O cheiro de carne me causa náuseas, mas até aí problema meu. Agora, ser interrompida no meio de uma conversa por uma chuleta é desagradável, convenhamos. Aqueles espetos me sendo oferecidos soavam quase como ameaças. “Picanha!”, me disse um dos garçons, como quem grita “mãos ao alto!”. Estremeci de medo. Saí de lá em direção ao buffet de saladas, que estava às moscas – literalmente, ô lugar pra ter moscas... Alface, tomate, rúcula, palmito, betarraba, cenoura, prato quase cheio, e me deparo com o – adivinhem! – sushi. Sim, sushis que passaram de cada vez mais comuns para obrigatórios em rodízios de carne. Nem precisei inalar para constatar que não cheirava bem.

Hierarquia das Carnes
De volta à mesa, ouço uma voz sedutora, daquelas de locutor da antiga rádio Cidade à meia noite, no programa Love Songs, dizendo “Allllcaaaaatra?”. Rapaz, a alcatra tava feia, mas aquela voz quase me convenceu a pedir um pedaço. Fiquei pensando nas artimanhas que os garçons devem usar para que suas carnes sejam aceitas. Porque, para o fulano da picanha, deve ser fácil. O da maminha talvez tenha que ralar mais. Mas imagina os coitados que ficam incumbidos da costela de ripa, do coração, do chouriço? Imaginei um sorteio das carnes, no começo de todo mês. O cara que pega as carnes preferidas sai se gabando para os colegas. E deve ter um coitado que só tira o chouriço, aquele menos enturmado. Daí, cada um se vira como pode. Voz sensual, cortes espetaculares, bom humor, ou meter a chuleta no meio da minha conversa. Deve ter sido o dia em que mais falei “obrigada”.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

É só Pavê

Nas minhas incursões pelas feiras de decoração me deparei com o estande da designer Thaís Aguiar. Com uma massa feita por ela mesma de maisena, resina, cola e tinta ela criou essas réplicas de comida perfeitas. Tive que encostar em todas para me convencer de que eram de mentira. As alfaces e fatias de frios são feitos de látex. É só pavê, mas é de babar.
O mais engraçado era ver as pessoas pedindo: "Oi, por favor, me vê 30 pãezinhos, 4 folhas de alface, e três roscas com chocolate. "

Contato da Thaís Aguiar: (11) 4582-9136.


Pastel com coxinhas


Pimentas sortidas


Rosquinhas com cobertura de chocolate


Shitakes


Queijo suíço


Tábua de frios


Pães


Mais pães


Queijo Parmesão


Bolachas


Bolinhos de bacalhau


Barras de Chocolate


Brigadeiros com granulado colorido


Beringelas, mini-alcachofras, pepinos e pimentas


Abóboras


Alface


Alho


Bananas


Beijinhos

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Beba sem moderação

Quem cozinha preza, geralmente, pela criatividade na mistura de ingredientes. Gosta de conhecer as ervas e especiarias para aprender a usá-las, procura restaurantes com pratos inusitados e vive dando uma sapeada na sessão de gastronomia das livrarias. Mas eu não consigo entender por que essa criatividade fica restrita à comida e não se estende à bebida também. Até existem uns sucos com misturas interessantes entre frutas, mas, com exceção do suco de tomate, ninguém tempera o que bebe. Eu já disse aqui que suco de melancia vai muito bem com manjericão, mas dá para combinar uma infinidade de ervas e sucos. Laranja com manjericão ou hortelã, água de côco com umas sementes de pimenta jalapeña (aquela que tem o grão um pouquinho maior que a pimenta do reino), morango com alecrim, maçã com canela, entre vários outros. É uma delícia brincar com os sabores das ervas nos sucos. Eu tenho uma lista em casa de várias especiarias e sempre anoto com que fruta vão bem. Manjericão é campeã de afinidades.

No restaurante indiano Gopala, em São Paulo, (na rua Antonio Carlos, 413, perto do metrô Consolação) eu tomei um suco de laranja ótimo. Perguntei o segredo: três gotinhas de água de rosas (mas são três gotas mesmo, senão vai parecer que você está bebendo perfume). Na última ida à Camburi, litoral norte paulista, experimentei uma caipirinha de maracujá na praia que vinha com duas folhas de hortelã e umas três sementes de pimenta rosa. Maravilhosa. Em Paraty, Rio de Janeiro, no mesmo lugar que servia aquela lasanha de palmito, eu provei a caipirinha Jorge Amado. Feita com a cachaça Gabriela, que é preparada junto com o melaço da cana, a caipirinha não levava açúcar e tinha uma pitada de canela. Deliciosa. Provei ainda um chocolate quente preparado por uma amiga feito com noz-moscada, divino.

E aí, leitores, mais algum achado no maravilhoso e inexplorado mundo das bebidas?

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Red Eyes With Sugar

Hoje completo 15 dias com a conjuntivite mais forte que já tive. Mas sabe que conjuntivite tem momentos deliciosos? Como naqueles dias em que você parece estar sarando e resolve cozinhar um macarrão com molho vermelho, trivial. Sua visão mal funciona, mas dá pra picar a cebola, descascar todos os tomates, jogar as sementes numa peneira e extrair todo o seu sumo, cortar a polpa do tomate em pedacinhos pequenos, descascar três dentes de alho. Daí, como mágica, o olfato surge e te avisa exatamente quando as cebolas douraram, quando o tomate se desmanchou, a hora certa de adicionar o alho, o ponto certo do molho... até a cocção perfeita da massa, seu narizinho vai detectando um por um. E todos dizem que esse é o melhor macarrão que você já cozinhou.

É também impagável quando, no meio da tarde, a ardência e a fotofobia resolvem te dar uma trégua e você consegue abrir os olhos de leve. E mal reconhece a sala em que permaneceu o dia sentada. Hoje foi um desses dias. O filme Mais Estranho que a Ficção estava dando sopa por aqui. Super gracinha. Nada de tão inovador. Como um risoto de shitake, mas feito com gengibre. Todo lugar por aí faz risoto de shitake, mas poucos exploram o picante do gengibre, que vai muito bem com o cogumelo.

É um romance água com açúcar e gengibre. O cara se apaixona por ela. Fiscal do Imposto de Renda e Dona de Padaria. Numa noite, ela lhe serve cookies recém saídas do forno. Ele não quer aceitar porque pode parecer suborno, mas cede: molha o biscoito no leite e faz aquela carinha de “... [suspiro] passou...”. Delícia de cena, ó só.



Ela só queria tornar o mundo melhor fazendo boas cookies. Doce, né? Mas claro, ela tenta lhe dar mais cookies e, claro, ele nega. Pra se redimir, ele chega na padaria dias depois com uma caixa cheia de saquinhos com diferentes tipos de farinha. Ele dá farinhas de presente para ela! Vocês têm noção do quão apaixonante, para quem cozinha, é receber um monte de farinhas? Os dois vão para a casa dela, ele toca uma música que acabou de aprender no violão e segue-se essa linda cena aí.



Ok, você precisa ter um paladar treinado para sentir o sabor do gengibre nesse filme, o açúcar se sobressai gritantemente. Mas, pô, feriado, dá um tempo e deixa o Kubrick pra depois.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Gastronomia é mais do que comida

Há algumas semanas fui ao jantar de aniversário da Helena. A idéia inicial era fazer um cardápio mexicano, mas com a quantidade de gente que foi lhe parabenizar o plano foi abandonado e a tradicional sopa de aspargos, já velha conhecida de sua família, foi servida. A Nena, cozinheira da casa, não me revelou a receita por nada.

A festa estava cheia e, como de costume, dividida entre os fumantes e não fumantes. Eu fiquei na faixa de Gaza pra papear com os dois grupos até quando meus pulmões agüentaram. Lá pelas tantas chega um bolo pantagruélico de nozes com chantilly – daqueles que eu detesto, como vocês já sabem – e todos, em uníssono, cantam aquela letra e melodia mais do que manjadas. Mas não era um Parabéns à você qualquer. Tinha uma empolgação diferente, todas as crianças e adultos presentes pareciam muito orgulhosos de cantar aquela canção para Helena, até vi duas senhorinhas chorarem. Quando terminou o coro, antes de soprar as velinhas, Helena puxou um “Com Quem Será”. Todos embalaram, novamente, com impressionante vigor. “Vai depender, vai depender...” silêncio, ao que ela respondeu “se o Gianechinni vai querer”. Depois disso soprou as velinhas que marcavam 97 anos ao lado de seus filhos, entre eles, meu avô Mário.

“E eu, ninguém me dá parabéns?”, brigou Nena. É que ela começou a trabalhar na casa de Helena em seu aniversário de 57 anos, há exatos 40 anos. Mais um Parabéns à Você. No fim da festa, bisa Lena me disse uma coisa da qual nunca vou me esquecer: “Vai lá no meu quarto e, na terceira porta, pega uma jaqueta que tem um papel pendurado escrito ‘Mário’, seu avô está muito mal agasalhado...”.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

Mais uma do mundo dos vegetais

Eu tenho uma hipótese sobre a comida vegetariana industrializada: ela é fabricada por não vegetarianos, só pode. Por isso que tudo fica com nome de carne. “Hamburger de soja”, “salsisha de soja”, “hamburger de tofu”, “leite de soja”. Numa boa, quem é que consegue salivar só de imaginar aquele hamburguinho de tofu dourando na grelha? É o mesmo que dizer “hummmm, que delícia, tem sagu de sobremesa”. Isso sem contar essa moda chatinha da soja. Aceitem: é preciso SABER preparar a soja, senão ela muito ruim.
Toquei nesse assunto porque a Nestlé acaba de lançar uma linha de produtos à base de soja, entre eles um que me intrigou muito: o creme de soja. Corri ao supermercado e encontrei um concorrente, o creme de soja da Batavo, lançado pouco antes.

Abri os dois e provei crus. O da batavo, como você pode ver, é mais sólido e consistente que o da Nestlé. Mas, ao contrário do que pareça, essa não é uma vantagem porque junto com a solidez vem aquele gosto forte e desagradável de soja. Ponto para a Nestlé. Testei o desempenho dos dois numa receita salgada: um molho de macarrão que me foi ensinado pela queria amiga Caju.

Tradicionalmente:

Ingredientes
1 cebola picada
suco de dois limões (ou um limão e meio, caso não queira que a acidez prevaleça)
raspas de limão (dica: para obtê-las, embrulhe o ralador num filme plástico e rale por cima dele. Depois é só retirar o plástico que as raspas vêm junto)
duas latas de creme de leite
noz moscada ralada na hora
sal a gosto

Preparo:
Refogue a cebola até dourar e despeje o suco de limão. Deixe cozinhar de dois a três minutos, até que engrosse. Em seguida acrescente o creme de leite, a noz moscada, as raspas de limão e deixe em fogo baixo por dois minutos (ou desligue o fogo assim que levantar fervura). É só jogar o molho sobre a massa cozida (sugiro um talharim) e está pronto.

No lugar do creme de leite, usei o creme de soja.

Duas coisas ficam evidentes. A primeira é que eu preciso comprar uma máquina digital nova urgentemente. E a segunda é que o molho com o creme de leite da Nestlé ficou mais amarelado e menos denso do que o da Batavo. O amarelado foi porque eu deixei as cebolas dourarem um pouco demais, eu gosto quando elas ficam quase queimadas. Mas quanto ao gosto, decepção total nos dois pratos. O da Nestlé estava melhorzinho, o da Batavo, intragável. Mas temos que dar um desconto: o limão e a gordura do creme de leite se equilibram bem. Ao usar creme de soja, o molho ficou pastoso e o limão prevaleceu. Tenho que admitir que minha receita não foi das melhores. Talvez em receitas doces o desempenho dos cremes seja melhor. Mas, se não se importam, eu prefiro continuar a usar o bom e velho creme de leite.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Hot News


Eu não tenho um prato favorito. Tenho um tipo de comida predileta: aquela de comer com a mão no esquema aperitivo, com diferentes tipos de pães, torradas, queijos e patês. Se tiver um chutney ou geléia de pimenta, melhor. Pois na semana passada eu comprei um livro tão delicioso que, se tivesse que traduzir para a linguagem dos meus adorados petiscos, seria uma pequenina fatia de pão de centeio caseiro com queijo camembert, geléia de pimenta e uvas brancas passas. Daquele tipo de petisco que a gente fica feliz com um ou cem, não é enjoativo e deixa um gostinho ótimo nas horas seguintes.

Calor* é o nome. Bill Buford, o autor. Jornalista da New Yorker e autor de Entre Vândalos, o cara foi editor-chefe da revista literária Granta (que aliás, será lançada no Brasil em breve) durante 16 anos. Um dia deu um jantar em casa e convidou meia dúzia de amigos. O chef Mario Batali era amigo de um amigo e também foi chamado. Chegou lá xingando Buford de ignorante por não saber preparar uma carne, tomou um porre, tirou todos da festa, homens e mulheres, para dançar e, no fim da noite, completamente de porre e cantando em voz alta, lavou toda a louça e varreu o chão. Já marcaram um futebol no dia seguinte e o jornalista se apaixonou pelo mundo do chef. Tanto que largou tudo para ser escravo em sua cozinha, no restaurante Babbo. O livro é uma deliciosa narrativa dessa experiência que, seja pela irreverência, seja pelos pratos exóticos que Buford aprendeu a cozinhar, nos deixa salivando (eu ia usar a expressão “com água na boca”, mas é clichê demais, né?).

*Cia das Letras, R$49,50