quinta-feira, 14 de junho de 2007

Beba sem moderação

Quem cozinha preza, geralmente, pela criatividade na mistura de ingredientes. Gosta de conhecer as ervas e especiarias para aprender a usá-las, procura restaurantes com pratos inusitados e vive dando uma sapeada na sessão de gastronomia das livrarias. Mas eu não consigo entender por que essa criatividade fica restrita à comida e não se estende à bebida também. Até existem uns sucos com misturas interessantes entre frutas, mas, com exceção do suco de tomate, ninguém tempera o que bebe. Eu já disse aqui que suco de melancia vai muito bem com manjericão, mas dá para combinar uma infinidade de ervas e sucos. Laranja com manjericão ou hortelã, água de côco com umas sementes de pimenta jalapeña (aquela que tem o grão um pouquinho maior que a pimenta do reino), morango com alecrim, maçã com canela, entre vários outros. É uma delícia brincar com os sabores das ervas nos sucos. Eu tenho uma lista em casa de várias especiarias e sempre anoto com que fruta vão bem. Manjericão é campeã de afinidades.

No restaurante indiano Gopala, em São Paulo, (na rua Antonio Carlos, 413, perto do metrô Consolação) eu tomei um suco de laranja ótimo. Perguntei o segredo: três gotinhas de água de rosas (mas são três gotas mesmo, senão vai parecer que você está bebendo perfume). Na última ida à Camburi, litoral norte paulista, experimentei uma caipirinha de maracujá na praia que vinha com duas folhas de hortelã e umas três sementes de pimenta rosa. Maravilhosa. Em Paraty, Rio de Janeiro, no mesmo lugar que servia aquela lasanha de palmito, eu provei a caipirinha Jorge Amado. Feita com a cachaça Gabriela, que é preparada junto com o melaço da cana, a caipirinha não levava açúcar e tinha uma pitada de canela. Deliciosa. Provei ainda um chocolate quente preparado por uma amiga feito com noz-moscada, divino.

E aí, leitores, mais algum achado no maravilhoso e inexplorado mundo das bebidas?

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Red Eyes With Sugar

Hoje completo 15 dias com a conjuntivite mais forte que já tive. Mas sabe que conjuntivite tem momentos deliciosos? Como naqueles dias em que você parece estar sarando e resolve cozinhar um macarrão com molho vermelho, trivial. Sua visão mal funciona, mas dá pra picar a cebola, descascar todos os tomates, jogar as sementes numa peneira e extrair todo o seu sumo, cortar a polpa do tomate em pedacinhos pequenos, descascar três dentes de alho. Daí, como mágica, o olfato surge e te avisa exatamente quando as cebolas douraram, quando o tomate se desmanchou, a hora certa de adicionar o alho, o ponto certo do molho... até a cocção perfeita da massa, seu narizinho vai detectando um por um. E todos dizem que esse é o melhor macarrão que você já cozinhou.

É também impagável quando, no meio da tarde, a ardência e a fotofobia resolvem te dar uma trégua e você consegue abrir os olhos de leve. E mal reconhece a sala em que permaneceu o dia sentada. Hoje foi um desses dias. O filme Mais Estranho que a Ficção estava dando sopa por aqui. Super gracinha. Nada de tão inovador. Como um risoto de shitake, mas feito com gengibre. Todo lugar por aí faz risoto de shitake, mas poucos exploram o picante do gengibre, que vai muito bem com o cogumelo.

É um romance água com açúcar e gengibre. O cara se apaixona por ela. Fiscal do Imposto de Renda e Dona de Padaria. Numa noite, ela lhe serve cookies recém saídas do forno. Ele não quer aceitar porque pode parecer suborno, mas cede: molha o biscoito no leite e faz aquela carinha de “... [suspiro] passou...”. Delícia de cena, ó só.



Ela só queria tornar o mundo melhor fazendo boas cookies. Doce, né? Mas claro, ela tenta lhe dar mais cookies e, claro, ele nega. Pra se redimir, ele chega na padaria dias depois com uma caixa cheia de saquinhos com diferentes tipos de farinha. Ele dá farinhas de presente para ela! Vocês têm noção do quão apaixonante, para quem cozinha, é receber um monte de farinhas? Os dois vão para a casa dela, ele toca uma música que acabou de aprender no violão e segue-se essa linda cena aí.



Ok, você precisa ter um paladar treinado para sentir o sabor do gengibre nesse filme, o açúcar se sobressai gritantemente. Mas, pô, feriado, dá um tempo e deixa o Kubrick pra depois.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Gastronomia é mais do que comida

Há algumas semanas fui ao jantar de aniversário da Helena. A idéia inicial era fazer um cardápio mexicano, mas com a quantidade de gente que foi lhe parabenizar o plano foi abandonado e a tradicional sopa de aspargos, já velha conhecida de sua família, foi servida. A Nena, cozinheira da casa, não me revelou a receita por nada.

A festa estava cheia e, como de costume, dividida entre os fumantes e não fumantes. Eu fiquei na faixa de Gaza pra papear com os dois grupos até quando meus pulmões agüentaram. Lá pelas tantas chega um bolo pantagruélico de nozes com chantilly – daqueles que eu detesto, como vocês já sabem – e todos, em uníssono, cantam aquela letra e melodia mais do que manjadas. Mas não era um Parabéns à você qualquer. Tinha uma empolgação diferente, todas as crianças e adultos presentes pareciam muito orgulhosos de cantar aquela canção para Helena, até vi duas senhorinhas chorarem. Quando terminou o coro, antes de soprar as velinhas, Helena puxou um “Com Quem Será”. Todos embalaram, novamente, com impressionante vigor. “Vai depender, vai depender...” silêncio, ao que ela respondeu “se o Gianechinni vai querer”. Depois disso soprou as velinhas que marcavam 97 anos ao lado de seus filhos, entre eles, meu avô Mário.

“E eu, ninguém me dá parabéns?”, brigou Nena. É que ela começou a trabalhar na casa de Helena em seu aniversário de 57 anos, há exatos 40 anos. Mais um Parabéns à Você. No fim da festa, bisa Lena me disse uma coisa da qual nunca vou me esquecer: “Vai lá no meu quarto e, na terceira porta, pega uma jaqueta que tem um papel pendurado escrito ‘Mário’, seu avô está muito mal agasalhado...”.